
Tecnologia ou Metodologia?
Há muito concordância quando se diz que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) precisam estar presentes nos práticas de ensino de modo geral e, de modo mais específico, na Educação Profissional e Tecnológica. No entanto, necessário é que o uso das TIC seja discutido com atenção aos objetivos que se esperam alcançar com a introdução destas no ambiente de ensino.
EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS
Por: Januário Neto Pereira Sarmento
Em: 26 de março de 2019
As discussões quanto à relação tecnologia/educação, no geral, são amplas, atuais e com perspectivas de ser um debate cada vez mais encorpado, tanto na perspectiva epistemológica quanto pragmática. Todavia, é bastante uníssona a crença com relação à importância das tecnologias no cenário educacional. Muitas das discussões questionam mais as metodologias do uso do que se a tecnologia é importante ou não no processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, Toschi (2005, p. 37) afirma que:
É quase consenso nas políticas educacionais e em alguns autores de que as tecnologias na educação vêm para melhorar a aprendizagem dos alunos e atender necessidades dos professores. Todavia, não há consenso quando se faz referência aos procedimentos, aos métodos, aos conteúdos, enfim, aos resultados que o uso das tecnologias tem propiciado à educação escolar.
No debate sobre as formas de utilização das TIC nos contextos pedagógicos, Sancho e Hernandez (2006) definem sete axiomas: infraestrutura tecnológica adequada; utilização dos novos meios nos processos de ensino e aprendizagem; enfoque construtivista da gestão; investimento na capacidade do aluno de adquirir sua própria educação; impossibilidade de prever os resultados da aprendizagem; ampliação do conceito de interação docente; questionar o senso pedagógico comum.
Nesse processo de uso das TIC na prática pedagógica docente, é preciso atentar-se, também, para as teorias da educação já construídas e em construção. Agora, ainda que de forma inconsciente, quando se utiliza uma ou outra TIC no processo de ensino, está subentendida alguma perspectiva teórica, mesmo que de forma inconsciente. Aliás, por razões diversas, sobre as quais não se objetiva debruçar nesse instante, muitas vezes, falta bastante clareza quanto à opção teórica em que o docente se apoia em suas práticas pedagógicas, especificamente quanto à relação tecnóloga/educação.
Os discursos acerca da educação atribuem lugar central às TIC, mas esta centralidade tem se baseado em justificativas e fundamentos tão diferentes que não é possível se realizar uma leitura singular deste quadro (PEIXOTO; ARAÚJO, 2012, p. 255-256).
Nesse contexto da práxis pedagógica, no que se refere à relação entre tecnologias e o processo educativo, Peixoto (2015) traz ao debate as seguintes abordagens: determinista, instrumentalista, sociotécnica.
Abordagens que orientam as formas de uso das TIC na educação
Partindo das concepções de Peixoto (2015), no bojo da relação TIC e Educação, pretende-se dar enfoque a três abordagens, já supramencionadas (abordagem determinista, abordagem instrumentalista, abordagem sociotécnica).
O determinismo tecnológico postula que a tecnologia estabelece os efeitos positivos ou negativos que ela induz na sociedade. A tecnologia é considerada um sistema autônomo que se desenvolve segundo uma lógica própria que influencia seu contexto; ou seja, a dinâmica intrínseca à tecnologia impõe-se à sociedade. [...] o determinismo tecnológico postula que a inovação tecnológica é a força motora da mudança social e impõe sua lógica própria aos sujeitos sociais e às suas relações (PEIXOTO, 2015, p. 320).
Em outras palavras, a abordagem determinista coloca as TIC no centro do processo, levando a crer que sem o emprego das Tecnologias da Informação e Comunicação não se efetiva a práxis pedagógica. Nessa discussão Viana Neto (2014, p. 48) afirma que a visão determinista “busca afirmar que uma educação de qualidade só será possível por meio da implantação das referidas tecnologias no âmbito escolar”. Nesse sentido, instituições escolares pobres e periféricas, onde, às vezes, um mesmo Data Show precisa ser compartilhado por 20 professores ou mais, nunca poderiam ofertar uma formação ontológica aos estudantes. Assim sendo, sob a perspectiva determinista de uso das TIC, a capacidade do professor de interferir na realidade social dos estudantes de forma ativa e transformadora seria posta em “cheque”, sempre que não consegue inserir as tecnologias da informação e comunicação em sua prática educacional.
Ao criticar o determinismo tecnológico Castells (2000) não aceita que a sociedade possa ser entendida ou representada meramente a partir das ferramentas tecnológicas. Guardada a inegável importância que as TIC possuem no cenário educacional moderno, não se poderia haver um “endeusamento” destas em desfavor de todo um contexto que pode favorecer (ou não) a transformação social do estudante.
Por outro lado, a visão instrumentalista “compreende o objeto técnico como meio prevalentemente neutro, por não induzir direcionamentos a priori, podendo servir a diferentes finalidades pedagógicas” (ECHALAR; PEIXOTO; CARVALHO, 2016, p. 172). Fica implícito, assim, os extremos em que se posicionam as visões determinista e instrumentalista. Na primeira há uma centralidade na apropriação das TIC, já na segunda, as tecnologias da informação e comunicação não têm seu espaço claro e definido no contexto educacional.
As razões pelas quais se justificam as críticas contra as abordagens instrumental e determinista podem ser diferentes, mas sempre tem como tema central o descompromisso com a mudança, com a emancipação social. Nelson Pretto chega a denunciar que a perspectiva instrumental serve-se ao papel de matar os dispositivos tecnológicos, qualquer dispositivo que seja:
[...]a incorporação e a utilização desses meios apenas como instrumentalidade excluem a perspectiva fundamento, basicamente porque, dessa forma, esse uso mata o próprio vídeo e, generalizando, mata qualquer mídia, seja ele o vídeo, a televisão, o computador ou os novos recursos multimidiáticos. Na verdade, o uso como instrumentalidade esvazia esses recursos de suas características fundamentais, transformando-os apenas em um animador da velha educação, que se desfaz velozmente uma vez que o encanto da novidade também deixa de existir. Essa é, na realidade, uma das características do mundo em que vivemos (PRETTO, 2013, p. 138).
Viana Neto (2014, p. 50), em sua tese de doutoramento, também dialoga com Pretto (2013), em termos ideológicos:
Na abordagem instrumental, que traz na essência as bases teóricas da tendência liberal, os meios utilizados visam facilitar a prática pedagógica e o processo de ensino e aprendizagem por meio da ilustração de conteúdos. Nesse contexto, o docente se mostra coadjuvante frente a estes recursos. Observa-se, pois, que a perspectiva instrumental e a determinista possuem bases que são comuns às tendências não-críticas apresentadas anteriormente. São teorias que orientam a prática pedagógica docente de forma passiva (VIANA NETO, 2014, p. 50).
A terceira abordagem a ser apresentada neste trabalho é a que trata a relação TIC e educação numa perspectiva sociotécnica. Nesta abordagem a relação entre o sujeito e as tecnologias acontecem numa perspectiva de reciprocidade, ou seja, não há superioridade nem do sujeito nem da tecnologia, mas interação (PEIXOTO, 2012). E é exatamente nessa relação dialética entre sujeito e objeto tecnológico que se percebe a presença da criticidade na abordagem sociotécnica. Diferente disso é o caso do determinismo e do instrumentalismo tecnológico, onde o campo da discussão é minado (ou há superioridade ou há neutralidade dos dispositivos tecnológicos, se é que há possibilidade de se falar em neutralidade).
REFERÊNCIAS:
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; PEIXOTO, Joana; CARVALHO, Rose Mary Almas de. “A tecnologia não tem que ser maior que o professor”: a visão dos professores quanto ao uso de tecnologias no contexto escolar. Revista Educação e Cultura Contemporânea. v. 12. n. 31. 2016. Disponível em: <http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/view/1512/1125>. Acesso em: 18 ago. 2018.
PEIXOTO, Joana. Relações entre sujeitos sociais e objetos técnicos: uma reflexão necessária para investigar os processos educativos mediados por tecnologias. Revista Brasileira de Educação. v. 20. nº 61. abr.-jun, 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782015206103>. Acesso em: 06 jul. 2018.
PEIXOTO, Joana; ARAÚJO, Cláudia Helena dos Santos. Tecnologia e educação: algumas considerações sobre o discurso pedagógico contemporâneo. Educação & Sociedade. (118): 253-268, v. 33, Campinas-SP, jan/mar, 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v33n118/v33n118a16.pdf>. Acesso em: 03 set. 2017.
PRETTO, Nelson De Luca. Uma escolas sem/com futuro: educação e multimídia. 8. ed. Salvador: EDUFBA, 2013.
SANCHO, Juana María; HERNANDEZ, Fernando. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006.
TOSCHI, Mirza Seabra. Tecnologia e educação: contribuições para o ensino. Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande-MS, n. 19, p. 35-42, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.serie-estudos.ucdb.br/index.php/serie-estudos/article/view/443/335>. Acesso em: 18 ago. 2018
VIANA NETO, Alcyr Alves. As Abordagens Pedagógicas da Educação Física que fundamentam a forma de uso das TIC pelos professores de Educação Física do Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico do IFG. Goiânia-GO, 2014. Disponível em: <http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/bitstream/tede/713/1/ALCYR%20ALVES%20VIANA%20NETO.pdf>. Acesso em: 04 set. 2017.
OUTRAS FONTES DE CONSULTA
Robson Pequeno de Sousa
Carolina Cavalcanti Bezerra
Eliane de Moura Silva
Filomema Maria G. da Silva Moita
(orgs.)
Eliane de Moura Silva
Nelson de Luca Pretto
Manuel Castells (org.)
Joana Peixoto
Lívia da Silva N. Martin
Mirza Seabra Toschi
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Domingos Leite Lima Filho
Cineiva Paulino Tono
Rosangela Gonçalves de Oliveira